A notícia é fake, mas o vírus não!

Diante de tantas notícias ruins, é compreensível o medo e a insegurança das pessoas. Sabendo disso, muitos indivíduos têm se aproveitado da situação difícil pela qual passamos em razão da pandemia provocada pela COVID-19 (Coronavirus Disease 2019/SARS-CoV-2) para cometerem crimes. No ambiente virtual, não poderia ser diferente. Diversas são as formas encontradas por crackers para cometerem esses delitos. E a porta de entrada para a maioria deles são as tão faladas “fake news”.

O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br) afirma que a expressão geralmente está associada a notícias que tentam se passar por reportagens jornalísticas verdadeiras e que possuem conteúdo falso, impreciso ou distorcido. Além disso, na maioria dos casos, possuem tom alarmista, com títulos bombásticos, apresentam fatos exclusivos (faz com que a pessoa acredite estar recebendo uma informação privilegiada), erros de gramática e ortografia, imagens ou vídeos adulterados ou fora de contexto, entre outras características.

Esses criminosos se valem dessas notícias falsas para espalharem malwares através de e-mails, aplicativos, sites e mídias sociais com a temática da COVID-19. Malware (abreviação de malicious software), são programas especificamente desenvolvidos para executar ações danosas e atividades maliciosas em um sistema computacional. Em outras palavras, malwares são o gênero do qual surgem as diferentes espécies de ameaças como vírus, bot/botnet, phishing, pharming, ransomware etc.

No caso do ransomware, há o bloqueio do acesso ao dispositivo ou aos dados e arquivos armazenados no equipamento, geralmente usando criptografia, e solicita um valor pecuniário (criptomoedas, na maioria dos casos) para o desbloqueio, que mesmo com o pagamento acaba não ocorrendo. No fim das contas, a vítima fica sem o acesso à máquina, perde os seus arquivos e o dinheiro gasto no resgate.

Outro que merece destaque em tempos de coronavírus é o pharming. O usuário, por exemplo, ao clicar em um determinado link é redirecionado para um site falso, através de mudanças no serviço de DNS (faz a tradução do nome de domínio para o endereço IP e vice-versa). A vítima, então, insere seus dados acreditando navegar na página original, mas está em um sítio falso. Na verdade, o pharming poderia ser considerado um tipo específico de phishing (utilização de meios técnicos e engenharia social para se obter dados pessoais e financeiros do usuário).

Não podemos nos esquecer ainda dos bots. São softwares capazes de se propagarem automaticamente através de redes, enviando cópias de si mesmo e permitindo a comunicação com o invasor, que consegue controlar o equipamento infectado (zumbi) remotamente, sem o conhecimento do seu dono. Para potencializar as ações dos bots, são formadas redes com milhares ou centenas de computadores zumbis (botnet), permitindo esquemas de fraude,envio de e-mails de spam, ataques DDoS etc.

A respeito dos ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS), vale mais algumas considerações, pois podem simplesmente paralisar a operação de um serviço, dispositivo ou rede conectada à internet por um determinado período. Nesse caso, são enviadas várias solicitações que excedem a capacidade de resposta de uma determinada página, por exemplo, o que faz com que seja suspensa temporariamente. Numa situação de calamidade pública como a que vivemos, a disponibilidade de informações e serviços que permitem a preservação e o cuidado com a saúde são fundamentais. Um ataque dessa natureza aos órgãos e entidades ligados à saúde e à assistência social seria desastroso.

Por último, não podemos deixar de comentar sobre os vírus. Normalmente se propagam inserindo cópias de si mesmo, passando a fazer parte de outros programas e arquivos. Para se tornarem ativos e continuarem o processo de infecção dependem da execução do programa ou arquivo hospedeiro. Daí a importância de se tomar algumas precauções antes de acessar ou compartilhar determinado conteúdo.

Dessa forma, é importante que a postura preventiva adotada para se proteger do coronavírus seja também observada na internet. Pesquise a informação em outras fontes, verifique as campanhas de doações para as vítimas da doença, seja cauteloso em fornecer informações pessoais ou bancárias, cuidado com os aplicativos que tragam informações sobre a pandemia (se for instalar, faça o download nas lojas oficiais), use conexões seguras, faça backup de arquivos e mantenham os dispositivos sempre atualizados.

Se mesmo com todas essas precauções ainda foi vítima, procure uma delegacia mais próxima para mais orientações. Em Goiás, a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC) disponibiliza quatro canais de comunicação: e-mail (crimes.ciberneticos@policiacivil.go.gov.br), Whatsapp (62-984022579), Disk Denúncia (197) e Instagram (@crimesciberneticos_pcgo).

A legislação penal que aborda a matéria está esparsa no ordenamento jurídico brasileiro. O principal tipo que temos está no próprio Código Penal, art. 154-A. Trata-se do crime de invasão de dispositivo informático. Há outras normas e dispositivos que também podem ser aplicados, a depender do caso concreto. É importante reforçar que o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, iniciou o processo de adesão à Convenção de Budapeste, que é um tratado internacional sobre os crimes cibernéticos.

Antes de finalizar, é preciso dizer que a mídia tradicional é sim uma fonte relevante de informações. É curioso o fato de muitas pessoas negarem a veracidade ou mesmo desacreditarem as notícias veiculadas nos meios de comunicação tradicionais e abraçarem cegamente notícias compartilhadas em grupos de Whatsapp ou outras redes sociais. Esse negacionismo, muitas vezes atrelado a teorias conspiracionistas e ao achismo, pode levar a situações embaraçosas. Bom senso é o único caminho possível.

Em Goiás, informações pormenorizadas sobre o coronavírus podem ser obtidas no site da Secretaria de Estado da Saúde. A Universidade Federal de Goiás também disponibilizou uma plataforma web que permite acompanhar o desdobramento da COVID-19 no estado em nível municipal (https://covidgoias.ufg.br). A ferramenta foi desenvolvida por uma equipe multidisciplinar através do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG/UFG), com a colaboração de outras unidades da instituição.

No âmbito federal, a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) organizou o Observatório Covid-19, que traz notícias, vídeos, esclarece dúvidas e traz outras informações interessantes sobre o enfrentamento da pandemia no país. O Ministério da Saúde, por sua vez, criou uma página especialmente voltada para o combate às fake news (https://www.saude.gov.br/fakenews), além de disponibilizar um número de Whatsapp (61-992894640) com a mesma finalidade. Há também o app Coronavírus – SUS e o Disque Saúde 136.

Aliás, falando em fake news, o Congresso Nacional tem se aprofundado na questão. Em setembro de 2019, foi instalada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para tratar do assunto. Dentre as finalidades está a investigação dos ataques que atentam contra a democracia e o debate público. O prazo final para o encerramento dos trabalhos é o dia 14 de abril de 2020. Embora não aborde especificamente as questões relacionadas ao corononavírus, é importante porque coloca o assunto das notícias falsas em discussão.

Outra iniciativa interessante é o Projeto de Lei nº 632, de 2020, de autoria do Senador Jorge Kajuru (CIDADANIA/GO), que altera a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para tipificar como crime de responsabilidade e como ato de improbidade administrativa a divulgação dolosa de informação manifestadamente falsa, difamatória ou sem fundamento. Isso significa que a autoridade pública poderá responder criminalmente por divulgar notícias falsas. É polêmico.

Enfim, depois de tudo que foi falado, é fácil perceber que as tão faladas “fake news”, além de espalhar a desinformação, podem trazer também códigos maliciosos, facilitando e potencializando as ações dos cibercriminosos. Seja cauteloso. Use o bom senso. A internet é uma forte aliada que temos para superar esse momento difícil provocado pela pandemia, basta sabermos usá-la. A notícia pode ser fake, mas o vírus é bem real. Tanto o coronavírus quanto o malware.

Redação: Voluntário Instituto Goiano de Direito Digital- José Antonio de Oliveira Neto do grupo de crimes cibernéticos.

Coordenação: Dyego Ferreira Bezerra